O tal mercado sabe que o governo não conseguirá zerar o déficit nas contas públicas em 2024. O Congresso Nacional fez as contas: não chega a zero nem se aplicar a lei da relatividade. O presidente Lula admitiu o óbvio e abriu um buraco negro que tragou a luz do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vinha brilhando na Esplanada dos Ministérios.
Foi o bastante para o dólar subir, a bolsa cair. Os políticos criticaram com ardor os especuladores que jogam contra a economia nacional e os planos estatais de gastos e investimentos livres das amarras da métrica zerada de Haddad, que podem incidir sobre a Lei de Diretrizes Orçamentária e o Orçamento Geral da União.
A união de parlamentares petistas, liberais, socialistas, comunistas, conservadores de vários matizes para gastar mais se mostrou ser, de longe, a melhor organização política do país. É o Partido do Gasto Público (PGP), que rompe as fronteiras mais rígidas das diferentes ideologias radicais de hoje.
As consequências insistem em vir sempre depois. Gasto público é feito com dinheiro do bolso do contribuinte. Quando o governo não tem dinheiro suficiente para suas despensas, faz dívidas. Emite títulos públicos para se financiar ao longo do tempo. Paga generosos juros sobre o capital emprestado por trabalhadores, fundos de pensão, banqueiros e empresários.
Se o governo é bom pagador, os juros pagos pelos governos a seus credores são menores. Se o risco de calote aumenta, os juros sobem em proporção às vezes especulativa. Como há um mercado de títulos, que podem ser vendidos antecipadamente, a marcação a mercado pode jogar os valores dos títulos para cima ou para baixo. E obrigam governos em situação de fragilidade a diminuir prazos de títulos, com oferta de juros maiores para se financiarem e cumprirem os compromissos financeiros.
O pagamento de juros da dívida não entra nos limites orçamentários. Não há teto para essa modalidade de rentismo. O céu é o limite… ainda mais quando governos erram na comunicação e perdem credibilidade. Brigar com o mercado, que empresta ao próprio governo, é perder sempre. No final, os juros serão pagos. Eles ganharão mais com a instabilidade, com a insegurança e a dúvida gerada pelo próprio governo sobre as contas públicas e o controle dos gastos.
O Congresso e o governo são usuários em fazer conta política. O mercado joga com as expectativas futuras. A matemática não os une. E quando se diz que gasto é vida, pode se ter em vista que é vida para banqueiros e aplicadores em títulos que financiam os investimentos públicos. Essa é uma lição que deveria ser bem recordada: não existe dinheiro de governo: dinheiro público tem dono, o tal cidadão pagador de impostos. E é o dinheiro de contribuinte que paga juros caros para financiar obras e políticas públicas nem sempre eficientes.
A receita adotada no Brasil, na crise mundial de 2008, foi ampliar os investimentos governamentais, como opção para ter retorno futuro. O governo emitiu demais, gastou mal, não conseguiu fazer a economia se desenvolver de forma sustentável nos anos seguintes e acabou gerando uma recessão em 2015, que fez o país retroceder, gerou desemprego e baixo crescimento de forma acentuada. E uma baita crise política.
O governo de Michel Temer instituiu o teto de gastos justamente para retirar o país dessa trajetória. Não houve seguimento posterior de suas políticas. Agora, surge o novo arcabouço instituído por Fernando Haddad, ainda em pré-testes. E a guinada pode ser ainda maior. O risco é não perceber que gasto público, com base em dívida, significa alimentar um mercado insaciável, que pode gerar mais crises no futuro. Haddad briga contra isso ao buscar conter a fome por um limite mais solto no orçamento. Mesmo que pareça quixotesco, sua luta é bem pé no chão. Torcendo para não levar uma rasteira, ser jogado no buraco negro, ou trombar com a política – que sabe produzir moinhos de vento e tempestades em Brasília.
Fonte: Coluna Márcio de Freitas; Redação Exame,