A tradição das eleições brasileiras foi, durante anos, dividir entre esperança e medo a retórica voltada a converter eleitores e conquistar votos. Esses dois sentimentos básicos eram usados pelo marketing para agregar eleitores em torno de um nome envolvido na disputa, ou afastá-los do adversário pelo temor de mudanças que afetam a vida das pessoas de forma impactante se “o outro” vencer. A fórmula pode funcionar nos dias atuais, mas perdeu espaço para o ódio.
Será interessante notar nas disputas municipais deste ano o uso do ódio como força motriz para agregar eleitores em torno de uma causa, afastando seu público cativo do adversário. E que peso isso terá nos resultados, a serem conhecidos nas calendas de outubro. Polos distantes com sentimentos contrários não se conversam, nem se comunicam, mantêm um muro de segurança máxima para impedir o diálogo entre os públicos antagônicos. As redes sociais são o principal instrumento da antissocialização nas campanhas eleitorais, campo perfeito por manter a distância e permitir o anonimato para atacar adversários.
Em teoria, sem intercomunicação ou interação, as mudanças de tendência de voto ficam menores, com uma blindagem impermeabilizando as influências externas sobre os partidários de ideias ou ideais, seja à esquerda, seja à direita. Será essa a aposta do bolsonarismo e do lulismo se replicando pelas cidades do país, apontam os discursos iniciais.
Óbvio que isso tem um preço: impedir a reintegração social no período posterior à eleição. A sociedade se mantém dividida e os governos parecem mancos, conversando somente com seu próprio eleitorado – sem alcançar o processo de reconstruir a unidade nacional. Basta ver a dificuldade em debater as pautas polêmicas levantadas como armas culturais contra os adversários no Congresso Nacional. Visam sempre encurralar, gerar dano popular ou emparedar segmento contrário com pressão de opinião pública.
O ódio cerca, limita, inibe, diminui e apequena o processo político. Mas funciona. Vide a popularidade de Jair Bolsonaro. Carlos Lacerda foi um precursor da modalidade nos anos de 1950, que teve em Juscelino Kubitschek um antípoda sorridente. Bolsonaro não tem um antípoda como JK, mas um Lula que deixou a paz e o amor para entrar na trincheira de enfrentamento com armas tão potentes quanto as do adversário conservador.
O PT replica, por posicionamento de suas principais lideranças, o ataque e a crítica verbal belicosa contra personagens públicas que manifestam dúvidas ou expõem críticas ao governo. Alguns até auxiliaram na vitória de Lula na eleição de 2022, e podem ficar longe em 2026 diante do tratamento agressivo dispensado durante a gestão. Mesmo gestos que poderiam ter outro tamanho, como a visita ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acabam diminuídos pela comunicação tímida do próprio ato, discreto, com agenda pouco trabalhada para corrigir a herança maldita que ficou marcada como cicatriz da relação pós-2002.
Públicos mesmo, são os ataques ao mercado, ao presidente do Banco Central, ao empresariado. Mantém uma tradição de ter adversários ativos em quem se atirar e responsabilizar até por dificuldades domésticas. Dividir para governar não é uma invenção petista, claro. Mantém o cercadinho ideológico.
Contudo, não se foge da realidade: cada vez que o presidente ataca as convenções mais básicas do odiado mercado, o dólar sobe, impactando preços de mercadorias, insumos, fertilizantes e máquinas pesadas cotadas em moeda norte-americana. E a vida dos brasileiros fica mais cara, seja dos ricos, seja dos pobres. Os investidores nacionais param seus projetos e preferem deixar o dinheiro aplicado nos títulos do tesouro, obrigados a remunerar com juros maiores o capital para financiar os gastos cada vez maiores do governo cercado de incertezas… É o famoso efeito bumerangue, ou, pelos grotões nacionais, tiro no pé. O ódio pode até funcionar em campanhas, mas não é bom instrumento de governo.
Por: Márcio de Freitas