Representantes do setor de serviços, responsável pela geração de 70% dos empregos no Brasil, defenderam nesta quarta-feira (4) a simplificação do sistema tributário, mas criticaram o aumento das alíquotas a ser gerado pela reforma, além de dispositivo que permite aos estados instituir contribuição sobre produção e exportação de produtos primários e semielaborados. Os especialistas também cobraram a desoneração dos investimentos, bem como não seja cobrado imposto seletivo sobre a atividade econômica e a regulamentação de saldos credores.
A avaliação ocorreu durante a nona audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que modifica o sistema tributário do país e é relatada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Impactos sobre tarifas
Diretor-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio Barcelos disse que a reforma tributária elevará o incremento da alíquota efetiva a todos os prestadores de serviços públicos. De acordo com Barcelos, o setor de concessão de rodovias terá incremento de 98% da alíquota efetiva, passando para 17,1% de imposto, o que vai ensejar impactos sobre tarifas dos usuários, resultando custo logístico e efeito inflacionário.
Barcelos defendeu que os reequilíbrios sejam tratados de forma prioritária, admitidas medidas cautelares para que, nacionalmente, todos os reguladores possam ter o conforto de promover medidas arrojadas que garantam segurança jurídica e continuidade dos serviços públicos.
Pagamento de impostos
Presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy disse que o setor que representa responde por 12% a 15% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sendo o maior contribuinte em termos de pagamento de impostos. Na análise dele, alguns estados da Federação chegam a depender em mais de 40% dessa arrecadação, sendo que 25% da arrecadação de ICMS dos estados vêm do setor de combustíveis e comercialização dos derivados de petróleo e gás.
— O setor de óleo e gás e as 220 empresas representadas pelo IBP apoiam entusiasticamente os princípios da reforma tributária pela questão da simplificação e pela questão do aumento da produtividade, que é muito importante para o nosso segmento. A simplificação de todo o regime tributário vai causar enorme atividade econômica no nosso setor. Mas somos contrários ao dispositivo que permite aos estados instituir contribuição sobre produção e exportação de produtos primários e semielaborados — esclareceu.
Aumento de custos
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Telesserviço (ABT), John Anthony Von Christian, disse que o setor emprega 1,4 milhão de pessoas, a maioria no sistema de atendimento ao cidadão (SAC). Von Christian diz que, nos últimos dez anos, o segmento expandiu sua atuação para as regiões Norte e Nordeste, estando presente em 69 cidades pequenas e médias onde é o maior empregador atualmente.
— Qual é a nossa grande preocupação com essa reforma tributária? Nós temos muito medo de que, com o aumento dos custos, o imposto que a gente paga, de 8,65% em média, um pouco mais para baixo, dependendo da localidade por causa do ISS, vai subir para 25%. E esse é um repasse que nossos contratantes, que 80% são bancos e teles, não vão conseguir absorver esse crédito, porque eles já têm muito crédito, principalmente as teles no 5G, as empresas de saneamento básico, todo mundo faz investimento, e os bancos estão isentos. É um problema que nos preocupa. Por outro lado, corre a inteligência artificial, que vem galgando no mundo todo a substituição de pessoas, que acho injusto, porque essas pessoas ficam na rua e não têm nenhuma compensação. No nosso setor, 35% das pessoas trabalham em seu primeiro emprego, são jovens. Só na Paraíba, nesses últimos dois meses, nós contratamos 6 mil pessoas que eram do Bolsa Família. O governo não está pagando o Bolsa Família, e nós estamos dando salário para essas pessoas. 70% desse povo todo são mulheres, negros, pardos e 15% são lgbtqia+, talvez nós sejamos o maior setor que contrata essas pessoas e, então, temos essa preocupação — afirmou.
Princípios tributários
Gerente e cofundadora do Pra Ser Justo, que congrega segmentos da sociedade civil, Marina Thiago defendeu uma reforma tributária simples, transparente e justa, que leve em conta os níveis de desigualdade existentes no Brasil.
Em sua explanação, ela defendeu sete princípios que devem estar presentes no sistema tributário: unificação dos tributos federais, estaduais e municipais sobre o consumo em um tributo sobre valor agregado de base ampla; adoção do crédito financeiro; adoção do princípio do destino, com mecanismos que assegurem perdas mínimas e graduais para os estados e municípios mais impactados; existência mínima de benefícios fiscais, idealmente nenhum; existência do mínimo de alíquotas, idealmente apenas uma; justiça social e redução de desigualdades, especialmente via mecanismo de devolução dos tributos para pessoas de menor renda; e manutenção da carga tributária global.
“Discrepância”
O presidente da Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos (Abai), Diego Ramiro, defendeu a educação financeira para a população e disse que o Brasil conta hoje com 5 milhões de pessoas físicas que investem na Bolsa de Valores.
Ele ressaltou que, a partir do momento que houver aumento de alíquota de um determinado setor, corre-se o risco de acabar com uma das profissões do futuro, que seria a de assessor de investimento.
Ramiro acentuou que a “discrepância” causada pela reforma tributária poderia ser mitigada com a inclusão do assessor de investimentos no Simples Nacional, além da tributação da atividade por base fixa, tendo em vista que o Brasil poderá contar com 80 mil desses profissionais em 2030.
Aumento da carga tributária
O presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), Josier Vilar, apoiou integralmente a racionalização e a simplificação da cobrança tributária, “hoje um emaranhado que eleva custos das empresas do ponto de vista da gestão contábil e gera uma burocracia excessiva que sufoca a todos nós”. Entretanto, Vilar apelou aos senadores para que a reforma tributária em discussão não gere aumento da carga tributária atual.
— Isso é fundamental para o setor de serviços e para a inclusão da economia solidária das favelas e comunidades pobres no ambiente empresarial. Uma reforma tributária que venha a causar maior impacto na tributação sobre os serviços prestados por milhares de jovens e idosos será inibidor para a inclusão no mundo empresarial dessas atividades. Temos aqui no Rio a indústria do turismo, da cultura, do esporte e lazer, de eventos, do transporte de carga e logística e a indústria da inovação, que queremos implementar cada vez mais. Portanto, qualquer reforma que possa ser implementada e o resultado final seja o aumento da carga tributária para os prestadores de serviços, não será bem vinda para todos nós. 68% dos empregos no Rio de Janeiro estão relacionados a serviços — afirmou.
“Desaparelhamento”
O representante da Confederação Nacional de Notários e Registradores (CNR) e da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Tiago Conde Teixeira disse que o aumento da carga tributária prejudicará as instituições que representa.
— Os cartórios devem ser entendidos como um dos pilares fundamentais do estado democrático de direito. Hoje temos um cenário de 2% a 5% de carga relacionada ao ISS. Com a perspectiva da reforma, passamos para carga de até 27%. Todo esse aumento acarretará um desaparelhamento de todo o sistema cartorário existente no país. Cartório tem um papel hoje fundamental no exercício da cidadania, contribui inclusive para a redução de conflitos e irregularidades. Cartório já foi responsável em 14 anos por 719 bilhões de recolhimentos, sem nenhum custo para o Estado. Todos os nossos registros para exercício da cidadania são executados em um cartório. Catorze são os órgãos públicos oficiais que utilizam de nossos dados para exercício, concretização e organização de políticas públicas — defendeu.
“Projeto de nação”
O presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), Gerino Xavier da Silva Filho disse que a reforma tributária “é boa para o país, mas precisa vir conectada a um projeto de nação que queremos”.
— Essa taxa de 25%, se for imposta às nossas empresas de tecnologia, vai ser muito difícil a gente enxergar um desenvolvimento promissor nessa área. O que estamos pleiteando é ficar na alíquota especial reduzida de 60% porque isso dá um equilíbrio. Vamos pagar um pouco mais de imposto do que pagamos hoje, mas é justo porque brasileiro, todo empresário, todo setor deve dar sua contribuição para o desenvolvimento da nação — afirmou.
“Mais digital e menos desigual”
Representante da Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes), Marcelo Almeida defendeu a construção de um Brasil “mais digital e menos desigual, em ambiente inovador, dinâmico, ético, sustentável e competitivo”. Ele destacou que 93% da participação empresarial do setor corresponde a pequenas empresas e microempreendedores inscritos no Simples. “Uma das dificuldades da reforma é o relacionamento que se estabelece com relação aos diferentes sujeitos que têm diferentes alíquotas e têm diferentes impactos, seja na atuação econômica, seja nas relações subjetivas”, disse Almeida.
— Esse mecanismo de relacionamento entre quem tem alíquotas diferenciadas não está muito bem orquestrado dentro do texto que veio encaminhado da Câmara para o Senado apreciar. Trazer essa realidade do microempreendedor e do pequeno empreendedor é um elemento de atenção que precisamos estabelecer. Se fizermos uma segmentação dos principais usuários de software, os serviços e telecom têm participação absolutamente preponderante de 32% no mercado de serviços. Portanto, essa realidade segundo a qual a tecnologia da informação incorpora de maneira muito ativa a vida das pessoas físicas, das pessoas jurídicas e a vida do produto nacional é absolutamente salutar e precisa de uma atenção especial na reforma tributária — afirmou.
Alta nos preços
Vice-presidente da Comissão de Tribunais Superiores da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), Ariane Costa Guimarães destacou que o setor de serviços é hoje responsável por 74% do PIB nacional e por 70% dos empregos gerados no Brasil. De acordo com a advogada, o setor engloba todas as prestações de serviços, o que inclui restaurantes, bares, transportes, planos de saúde, comércio e escolas, entre outras atividades. Atualmente, o setor de serviços tem 53% das empresas operando sem lucro e poderá absorver um aumento de carga de 22%.
— Isso é muito sério. A legislação brasileira não está adaptada e ela não é favorável ao desempenho das atividades do setor de serviços. E, com a reforma tributária, existe o potencial de essas atividades serem ainda mais afetadas, e muitas inclusive eliminadas, do ponto de vista da oferta no cenário brasileiro.
Fonte: Agência Senado